No Data Creators estamos falando constantemente sobre a área de negócio para desenvolver uma das habilidades mais importantes pra nós.
Como sou engenheiro de produção, claramente tenho um viés para o que estudei. Deming, Qualidade, Modelo Toyota e por aí vai.
Lendo sobre parei sobre uma frase Deming que me fez refletir bastante - gestão é previsão.
Essa frase, apesar de simples, carrega um peso muito forte. E se, como time de dados, entendermos o seu significado, isso poderá nortear todas as nossas atividades.
Por que isso é importante?
Na minha concepção das áreas de dados que já pude trabalhar e tive contato, falta metodologia. Eu sei, as empresas dizem que usam tal framework ou tal stack, mas não é isso que quero dizer.
Metodologia são exatamente as tarefas que o time deve fazer toda semana. Os inputs.
Na maioria dos times, as atividades são meio caóticas. A famosa pastelaria.
É aquela coisa: o gestor chega pedindo um relatório porque vai ter reunião com o diretor amanhã; outro analista pede ajuda com uma query que está demorando muito; o pessoal de produto quer uma análise rápida sobre uma feature nova; e ainda tem o forecast para o time financeiro para entregar.
Resultado? Um time de dados que apaga incêndios, mas não constrói conhecimento sistemático.
É exatamente nesse cenário que o conceito de Deming se perde.
A área de dados se torna reativa, não preditiva. E sem previsibilidade, nunca seremos realmente data-driven.
Na newsletter de hoje, vamos explorar mais sobre este conceito.
O que Deming realmente queria dizer (na minha interpretação).
Deming não estava se referindo a previsões utilizando Machine Learning quando falava que "gestão é previsão". Ele estava articulando algo mais fundamental sobre como organizações funcionam como sistemas interconectados.
Na visão de Deming, toda organização é um sistema complexo de componentes interdependentes. O trabalho de gestão não é otimizar partes isoladas, mas entender como essas partes interagem entre si. Quando tu intervéns em uma parte do sistema, tu precisas antecipar como essa mudança se propagará pelo resto.
É aqui que entra a "previsão" - não como um exercício estatístico, mas como um exercício de compreensão sistêmica. É sobre desenvolver uma intuição profunda para relações de causa e efeito dentro da organização.
Deming estava profundamente influenciado pela teoria dos sistemas. Ele entendia que organizações não funcionam como máquinas simples com relações lineares de causa e efeito, mas como organismos complexos com ciclos de feedback. Nesse contexto, modelos mentais robustos são muito mais valiosos que fórmulas matemáticas.
Esta visão era radical na época e continua sendo hoje. Ela desafia a ideia de que podemos "otimizar" partes isoladas de uma organização e esperar que o todo melhore.
Além disso, vai contra o hype da área. Hoje, o pessoal quer focar só no que envolve código, modelos e não querem entender os processos e as outras áreas.
O que Deming estava defendendo era uma forma muito mais profunda de compreensão organizacional - uma que vai além de meros números e gráficos para capturar a essência de como os sistemas funcionam, mudam e evoluem.
Três formas de entender "Gestão é Previsão"
A ideia de que "gestão é previsão" pode ser desdobrada em três perspectivas e elas podem nos dar uma visão diferente do que fazer na nossa equipe de dados.
1. Entender causas e efeitos
Esta perspectiva trata da compreensão causal dos sistemas. Não é apenas sobre observar correlações em dados, mas sobre identificar os verdadeiros mecanismos causais que fazem um sistema funcionar.
Deming enfatizava constantemente a diferença entre correlação e causalidade. Ele entendia que sem um modelo causal claro, tu podes tratar sintomas em vez de causas raiz, criando ciclos intermináveis de problemas.
O conceito de "causas comuns" versus "causas especiais" de Deming é fundamental aqui. As causas comuns são variações inerentes ao sistema, enquanto causas especiais são eventos anômalos externos. Saber distinguir entre elas é o pulo do gato - se tu tratas uma causa comum como especial (ou vice-versa), acabas piorando a situação.
Para um time de dados, isso significa ir além de simplesmente reportar "o que" está acontecendo para investigar "por quê" está acontecendo. Significa desenvolver hipóteses sobre relações causais e testá-las sistematicamente, refinando constantemente teu modelo mental do sistema. (Kaizen)
E pra fazer isso, tu precisas ir no Gemba e não só ficar inventando storytelling.
2. Controlar processos
Deming via organizações como sistemas de processos interconectados. Cada processo tem entradas (que podem ser controladas) e saídas (que são medidas). A chave para gerenciar bem é entender quais entradas influenciam quais saídas, e como.
O conceito de Controle Estatístico de Processos (CEP) que Deming ajudou a desenvolver está diretamente ligado a esta perspectiva. O CEP não é apenas uma ferramenta estatística, mas uma forma de pensar sobre como processos funcionam e como podem ser melhorados.
Quando aplicas esta perspectiva à análise de dados, paras de pensar em termos de relatórios estáticos e começas a pensar em termos de processos dinâmicos. Não é apenas sobre mostrar métricas, mas sobre identificar alavancas (os famosos insights) de controle que podem ser ajustadas para melhorar resultados.
A diferença sutil está em mudar o foco: de outputs que apenas observamos para inputs que podemos controlar. Esta mudança de foco transforma a análise de dados de uma atividade retrospectiva para uma disciplina prospectiva e orientada à ação.
Como já escrevi aqui, existem 2 entendimentos de negócio, e fazendo este ciclo, estamos aprendendo sobre o negócio “interno”.
3. Criar conhecimento
Para Deming, o propósito final dos dados e da análise não era simplesmente informar, mas criar conhecimento organizacional.
Conhecimento, neste contexto, não significa apenas fatos ou informações, mas modelos mentais compartilhados que ajudam a organização a antecipar o futuro e agir de forma mais eficaz. É uma compreensão coletiva de como o sistema funciona e como ele responde a diferentes intervenções.
O ciclo PDCA de Deming incorpora esta perspectiva. Não é apenas um método para resolver problemas, mas um processo sistemático para gerar conhecimento e aprendizagem organizacional.
Para times de dados, isto significa uma mudança profunda no propósito do seu trabalho. Em vez de produzir dashboards e relatórios, sua função principal é facilitar a criação de conhecimento organizacional - ajudar a construir e refinar modelos mentais compartilhados que permitem à organização prever os resultados de suas ações com maior precisão.
(não tem nada a ver com modelos de machine learning)
Estas três perspectivas se reforçam mutuamente. Entender causas e efeitos te permite controlar processos com mais eficácia. Controlar processos gera dados que, quando analisados, criam conhecimento. E este conhecimento, por sua vez, aprofunda tua compreensão de causas e efeitos.
Ou seja, o Kaizen não é nada menos que o Data Driven com outro nome.
O erro comum das equipes de dados
O "problema das luzes coloridas 🚦” identificado por Wheeler é um dos erros mais custosos na análise de dados. É a incapacidade de distinguir entre variação normal (inerente ao processo) e variação especial (que requer intervenção).
Wheeler observou que a chefia frequentemente reage a cada oscilação em gráficos como se fossem significativas, sem compreender a variabilidade natural de qualquer processo.
Inclusive, essa é uma das ironias mais marcantes da nossa área. Apesar de trabalharmos com dados, somos regidos por essa abordagem haha…
Pensa num caso simples: uma equipe que analisa a taxa de conversão diária do site.
Abordagem tradicional (comparação período a período):
Segunda: 3,2%
Terça: 2,8% (-12,5% em relação ao dia anterior - "Vermelho! O que aconteceu?")
Quarta: 3,3% (+17,9% - "Verde! Nossas correções funcionaram!")
Quinta: 3,0% (-9,1% - "Vermelho! Problemas de novo!")
Esta montanha-russa emocional leva a constantes investigações, reuniões emergenciais e intervenções desnecessárias. Aposto que na tua firma deve acontecer algo assim todo mês kk.
Abordagem de controle estatístico: Calculando os limites de controle (baseados em uma distribuição histórica inventada), descobrimos:
Média: 3,1%
Limite superior: 3,6%
Limite inferior: 2,6%
Com essa perspectiva, vemos que todas as variações estão dentro dos limites normais do processo. Estamos apenas "perseguindo fantasmas" - reagindo à variação aleatória inerente ao sistema, não a problemas reais.
A primeira abordagem gera caos e intervenções constantes que podem piorar o sistema. A segunda nos permite focar em melhorias sistemáticas que realmente importam.
"Se tu interferes em um sistema estável, tentando melhorar um resultado específico, tu podes aumentar causar mais variabilidade e piorar o que tava bom."
E é isso que acontece em 99% das empresas, inclusive é uma das principais razões da pastelaria de dados está a todo vapor.
Estudo sem prática = entretenimento
Se o verdadeiro propósito de um time de dados é gerar conhecimento que permita melhores previsões, isso muda completamente como devemos estruturar nosso trabalho.
Tu não precisas esperar que teu gestor te diga o que fazer. Na newsletter anterior, falei sobre como nós, profissionais de dados, frequentemente já sabemos o que precisa ser feito - só falta a coragem de fazer diferente.
Cria tua própria rotina que promova esse fluxo de conhecimento na empresa. O que isso significa na prática? Algumas ideias:
Reuniões periódicas com áreas de negócio & suporte.
Comunicações recorrentes em diferentes formatos (videos, newsletters, e-mail)
Programa de treinamentos focados nos problemas.
Documentação, SOPs.
Observe que nenhuma dessas ações envolve necessariamente análises complexas ou modelos estatísticos. O coração do trabalho está na investigação, nas conversas e na comunicação consistente com as áreas de negócio.
É exatamente isso que falta nos times de dados hoje: uma missão clara de construção de conhecimento organizacional, não apenas de produção de dashboards.
Assim como na manufatura, que todo mundo sabe o que precisa ser feito todos os dias, penso que na área de dados deveria ser a mesma coisa.
Quando tu entendes que "gestão é previsão" no sentido profundo que Deming queria dizer, percebes que teu papel vai muito além de coletar, limpar e analisar dados. Teu trabalho é ajudar a organização a entender como suas partes se conectam e interagem, para que possa prever - e influenciar - seus resultados futuros.
Esta é a transformação que buscamos no Data Creators. Queremos criar conhecimento.
Heitor “Fan do Deming” Sasaki
Data Creators
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